CEPESE CEPESE | CENTRO DE ESTUDOS DA POPULAÇÃO, ECONOMIA E SOCIEDADE

Da fronteira como mnemónica negocial. Traço, delimitação e narração

Rui Cunha Martins
2002
14 páginas

A memória é vulnerável, diz Ricoeur. Pois é aí mesmo onde assenta a sua vulnerabilidade - nesse intercruzamento entre a sua dimensão epistémica e "veritativa" e a sua dimensão pragmática, "a do uso da memória" - que ela apresenta particular interesse para o nosso propósito. Sustenta aquele Autor que é desse intercruzamento que há-de arrancar qualquer inquérito sobre as relações entre a memória e a história. Compreende-se porquê. Na medida em que tende a exercer uma função correctiva sobre a memória, a história reescreve essa mesma memória, e, ao fazê-lú, ao limitar-se afinal a não calar à sua apetência selectiva, a história aviva na memória a componente do esquecimento, sem a qual não existe, verdadeiramente, um uso da (nem abuso da, nem trabalho sobre a) memória; é que é "pela selecção da recordação [poderse- á dizer também pela gestão do esquecimento] que passa essencialmente a instrumentalização da memória" (Ricoeur, 1 996-97; 1 998).